segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Multidão contra o Império e a Comunidade puquiana contra a Fundasp

“A ação da multidão se torna política, sobretudo, quando começa a fazer face diretamente, e com a consciência adequada, às operações repressivas centrais do Império”, afirmam os filósofos políticos Michael Hardt e Antonio Negri, em trecho de sua obra “Império”, onde desenvolvem a ideia da transformação do Imperialismo e de que o Império permanece por meio de uma nova ordem política da globalização, moldando um Império emergente em nossa sociedade. 

É possível deparar-se com diversas organizações nas quais existe um Império, em escalas menores e particulares, tal qual toda nossa civilização. Nesse mesmo contexto, as decisões do “Império” entram em conflito com a posição e vontade da Multidão, como já ocorreu diversas vezes durante nossa história. Recentemente, a PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) foi palco - e está sendo - da guerra pela Democracia em uma Era que já não é a do Império, tornando-se, assim, um bom exemplo desse tema.

Noite do dia 13 de novembro. A PUC-SP, que havia passado por um processo eleitoral durante o mês de agosto para a nomeação de sua reitoria, referente ao quadriênio 2012-2016, se depara com a divulgação da decisão do Cardeal Dom Odilo Sherer e da Fundação São Paulo (Fundasp), mantenedora da Universidade, a partir de uma lista tríplice, nomeando a professora Anna Marques Cintra como nova reitora.

Desde 1980, na época da ditadura civil militar, a PUC-SP conta com eleições para sua reitoria. Primeiramente, professores, estudantes e funcionários votam, por meio de cédulas, no candidato a escolha, e dessa votação resulta uma lista tríplice, com os três candidatos mais votados. Essa lista é direcionada ao Cardeal, que tem a palavra final do candidato a ocupar o cargo na reitoria na próxima gestão.

Em 32 anos de eleição para reitor, o Cardeal sempre escolheu o candidato que recebeu a maior quantidade de votos, mantendo, assim, a PUC-SP como uma das poucas universidades com uma tradição legítima e democrática, respaldada pelo respeito aos três setores: alunos, professores e funcionários. No entanto, neste ano de 2012, um golpe à democracia universitária aconteceu. O Cardeal escolheu como nova reitora a candidata menos votada pela comunidade, entre os três reitoráveis, indo contra a vontade da maioria.

O ato do Cardeal pode estar de acordo legalmente com o Estatuto da PUC-SP, uma vez que ele tem o poder de escolher arbitrariamente entre os candidatos da lista tríplice, mas não é uma ação legítima e, por isso, não é reconhecida. A comunidade puquiana participa do processo eleitoral de forma a ser consultada e não de forma a deliberar quem será empossado, porém, a partir do momento em que se cria uma tradição moral de respeitar a vontade da maioria e dos setores dentro da universidade, cria-se um histórico e patrimônio moral, que deve ser defendido - e o é, por meio de seu Estatuto.

Dentro de uma Universidade, que foi marco na luta pela democracía do país, esse aro soou como um golpe que não irá ceder ou terminar tão logo, e que envolve questões administrativas, financeiras e, principalmente, acadêmicas extremamente delicadas, dentro de uma das Universidades mais importantes, respeitadas e conhecidas nacionalmente. Conflitos intensos ocorreram entre a “multidão” Puquiana e a Imperial Igreja Católica, respaldada pela Fundasp, construindo um cenário de guerra pela Democracia.


“A militância atual é uma atividade positiva, construtiva e inovadora (...) Militantes resistem criativamente ao comando imperial. Em outras palavras, a resistência está imediatamente ligada ao investimento constitutivo no reino biopolítico e aparatos cooperativos de produção e comunidade”.

“Império” – Militante: Michael Hardt e Antonio Negri


Os três setores da PUC-SP, atuando como Multidão e resistindo ao golpe a sua Democracia promovido pelo Império, militou desde o primeiro dia para que o espírito de luta e resistência não diminuísse, deliberando Greve Geral. Para isso, como foi posto no livro “Império”, a Multidão resiste criativamente aos comandos imperiais. 


 

Foi por meio da criatividade da “multidão puquiana” que foi possível rebater as ações da Fundasp, que ignorou as deliberações do Consun (Conselho Universitário), sendo esse a maior instância deliberativa da Universidade; forçou a nomeação e posse da Anna Cintra, alegando sua falsa legitimidade e legalidade; entrou com uma ação de citação para os Centros Acadêmicos que ocuparam a reitoria na noite do golpe; que entrou com outro processo na Justiça sobre a APROPUC (Associação dos Professores) e AFAPUC (Associação dos Funcionários) alegando greve abusiva, sendo esse último negado pela própria Justiça, e mesmo assim, o “Império Fundação São Paulo”, manteve sua posição autoritária.

Durante todo o período de luta pela Democracia, como dito, a criatividade foi o essencial para a “multidão puquiana” resistir: Foi por meio das aulas públicas, das artes visuais, dos textos escritos, das falas feitas, dos atos públicos, das divulgações nos meios de comunicação e mídias sociais, e de toda a criatividade que circundou o processo, que fez com que esse durasse e resistisse às investidas truculentas da Fundasp, transformando os estudantes, professores e funcionários responsáveis pelas ações políticas do movimento.

“Passo agora a tratar da terceira forma de governo, completamente absoluta, que chamamos de democracia” – Baruch Spinoza

♠ SOBERANIA E DEMOCRACIA.

“A democracia pode ser encarada como o governo de muitos ou de todos, mas apenas na medida em que estão unificados como ‘o povo’”. Multidão – Guerra e democracia na era do Império, Michael Hardt e Antonio Negri.

Em sua obra “Multidão”, posterior a “Império”, os filósofos reafirmam a relação democrática entre o soberano e seu povo, e através disso podemos traçar um paralelo com a crise institucional da PUC-SP. De acordo com o livro, a necessidade do soberano é a verdade fundamental expressa na analogia tradicional entre o corpo social e o corpo humano. Em nenhum momento afirmou-se que a Universidade não precisaria de um grupo gestor, mas que esse estivesse unificado com a vontade da comunidade, que fossem aqueles com os quais a comunidade acadêmica se contemplasse e escolhesse. 


O filósofo e teórico político Thomas Hobbes ilustrou essa relação muito bem na folha de rosto da edição original de sua obra, “Leviatã”, desenhada por ele próprio. A ilustração mostra o corpo do rei, que pode ser comparado a reitoria da Universidade, mas abaixo da cabeça desse rei está um corpo formado por centenas de corpos minúsculos dos cidadãos, que representaria a comunidade puquiana. Portanto, se não há uma unidade orgânica entre o povo e aquele que seria o soberano, essa relação e organização política se prejudica. Qualquer soberania exige o consentimento dos governados, e isso não ocorre na PUC-SP, que declarou greve geral por tempo indeterminado, já que não reconhece sua reitoria como legítima e tem direito à isso.

“Porque na multidão, nunca existe qualquer obrigação em princípio em relação ao poder. Pelo contrário, na multidão o direito de desobediência e o direito à diferença são fundamentais. A Constituição da multidão baseia-se na constante possibilidade legítima de desobediência.”, ‘Multidão’ – Michael Hardt e Antonio Negri.


Apesar disso, a Multidão puquiana jamais teria conseguido tanta vizualisação e respostas se ela houvesse se fechado em si mesma. Atraindo o foco para si, ela conseguiu ser discutida na Esfera Pública, gerando debates que fomentaram a Greve e seus ideais. Para que isso acontecesse, toda a comunidade fez um trabalho apoiado na Internet, que mostrou-se, nesse momento, uma importante ferramenta política.

Toda comunicação é uma forma de ação, e, pensando-se no alcance que a internet propiciona, ela foi fundamental para manter a força grevista. Seguindo as ideias de Thompson, que afirma que a internet permite que todas as pessoas saiam de seu papel de mero consumidor de informação, deixando-as tornarem-se ativas, opinarem e discutirem, essa ferramenta elevou a discussão que se iniciou na PUC a um nível nacional. Discutia-se, então, não somente um caso em particular, mas até mesmo conceitos como Democracia, a influência religiosa e sua força atualmente, etc. Cada receptor, reagindo de maneira singular ao que era veiculado, gerava um novo debate, apoiando-se na questão central – ou seja, no movimento grevista da PUC-SP – fomentando uma discussão política que, na sociedade atual, é bastante apagada.

Como em qualquer outra notícia, a posição dos veículos em relação a legitimidade da greve da universidade foi divergente. Nos noticiários televisivos, poucas foram as emissoras que cobriram o episódio, talvez porque o tema “greve” já tenha sido bastante debatido durante a greve das universidades federais, no início do ano. A cobertura mais completa, e que continua a ser atualizada a cada passo tomado pelo conselho de estudantes e professores, é aquela que tem sido feita pelos sites.
O uso da imagem é um recurso muito explorado na mídia contemporânea, a geração que cresceu junto à televisão prioriza os fatos que possam ser ilustrados, e os portais utilizaram (e muito) este recurso visual. Apesar da imagem contribuir para o mais fácil entendimento, quando esta toma o espaço do texto escrito e por si só transmite uma mensagem, há um empobrecimento do contexto geral e implicações que geraram ou foram geradas pelo simples momento em que a imagem foi registrada.

A cobertura dos portais eletrônicos foi feita com textos explicativos e que geraram debates, por muitas vezes positivos, em suas páginas. Entretanto, os álbuns criados com dezenas de fotos chamaram mais atenção do que os textos em si, e é possível perceber que muitos daqueles que opinavam nos comentários abaixo do texto sequer leram a matéria. Este empobrecimento do compreender é uma tese defendida por Giovanni Sartori, a qual discutimos no texto anterior deste blog, em sua obra “Homo videns – televisão e pós-pensamento”, no capítulo Primazia da Imagem. Ilustrações podem ser descontextualizadas, este é um dos grandes problemas no ditado popular “uma imagem vale mais do que mil palavras”.

Uma foto foi muito criticada até mesmo entre os estudantes que não estavam presentes na noite do dia 14 de novembro, quando a comunidade tomou conhecimento do golpe. A foto mostrava cadeiras das salas de aula da universidade próximas ao fogo, e a impressão que se tinha era de que os estudantes estavam destruindo o patrimônio da universidade. No entanto, tomamos conhecimento de que nada daquilo havia acontecido, as cadeiras foram retiradas das salas para impedir as aulas e o fogo se tratava de uma churrasqueira. O golpe de perspectiva gerou um grande desconforto entre os membros da comunidade, pois a greve, desde seu inicio até os dias de hoje tem defendido uma bandeira pacifista e é assim que tem conseguido apoio de grandes nomes da academia que fortalecem a causa.

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